Pioneiras do Brasil

Alexandre Leite e Wesley Bião

Léa Campos, a primeira árbitra de futebol do mundo

Asaléa de Campos Fornero Micheli nasceu em Abaeté/MG, em 1945, mas foi morar em Belo Horizonte com três anos de idade. É a mais velha de quatro irmãos.

Desde criança Léa gostava de esportes e já causava intriga ao brincar com uma bola de meia que ganhou de seu pai. "Eu jogava no recreio da escola, e a diretora implicava que não podia, porque eu estava jogando com os meninos. Naquela época tinha aquela coisa: menina para lá, menino para cá”, contou em entrevista ao Museu do Futebol.

Durante sua juventude, a beleza que chamava a atenção conferiram a Léa vários títulos em concursos de musa, na década de 60. Rainha do Carnaval, do Exército em MG, dos ex-combatentes e Miss Fotogênica são alguns dos postos conquistados por ela.

Durante o sucesso como musa, Léa escolheu o Jornalismo como primeira opção profissional. Estudou e trabalhou em Brasília, na Rádio Nacional, na Rádio Jornal em Belo Horizonte e na Rádio Mulher, em São Paulo. Léa diz que uma das suas maiores tristezas no período foi não ter o apoio das mulheres da família.

"As mulheres da minha família nunca me apoiaram. Os homens, sim. Mas as mulheres diziam que eu estava em busca de um jogador rico, que eu devia estar em casa, fazendo comida, lavando a roupa. Minha maior decepção foi essa. As mulheres deveriam apoiar umas às outras."

Em 1967, Léa se inscreveu no curso de formação de árbitros da Federação Mineira de Futebol e depois de oito meses formou-se

Formou, mas não recebeu diploma

A então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) seguia uma lei de 1945 que dizia "às mulheres não se permitirão a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza". Por sua vez, o Conselho Nacional do Desporto (CND), aparelhado pela Ditadura, dizia que não era permitido "a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo, halterofilismo e baseball".

Vivendo no auge da Ditaura, Léa foi acusada de subversão. Pelas suas contas foi presa pelo menos 15 vezes e teve que comparecer ao DOPS para prestar "esclarecimentos".

E a ajuda veio de onde menos se esperava

Léa batalhou arduamente pelo direito de praticar a atividade que escolheu. Essa luta incluía criar desafetos, como o presidente da CBD, João Havelange. Mas em sua luta ela teve um aliado inesperado: o Marechal Emílio Garrastazu Médici, então presidente do Brasil.

Em 1971, Léa recebeu o convite da FIFA para participar da Copa do Mundo Feminina, no México. Mas, para ir, precisava ser diplomada pela CBD - o que, se dependesse de Havelange, não aconteceria. Léa, que fora Musa do Exército em MG, pediu ajuda a um comandante para falar com Médici. E conseguiu.

Encontrou-se com o presidente duas vezes: a primeira em Minas e posteriormente na Granja do Torto, em Brasília. Recebeu de Médici uma carta de próprio punho pedindo que Havelange condecesse o diploma de Léa.

O fim trágico de uma carreira promissora

A carreira de Léa na arbitragem encerrou de maneira trágica e precoce. Em 1972, a mineira sofreu um grave acidente de ônibus e quase perdeu a perna esquerda. Precisou reimplantá-la e passou por mais de 100 cirurgias. Hoje, com 75 anos, mora nos Estados Unidos com o marido, o jornalista colombiano Luis Eduardo Medina, autor "As Regras Podem Ser Quebradas", sua biografia.

"Lutamos, brigamos, batalhamos… E não medem você pela sua capacidade. Julgam você pela sua aparência. É isso que eles olham. Não veem que você ralou, o quanto você estudou, que você frequentou uma universidade, que se preparou para aquilo."